as velas 🕯

existe um rapaz no grupo espiritualista que frequento chamado nil. ele é uma figura interessantíssima - um homem esguio, de diagramação diferente, alto, com uma voz mansa e muito grave que cuja entonação vai diminuindo enquanto ele fala.

nil é o cara da luz. durante as sessões, é ele quem fica responsável por manter velas acesas por todas as partes. ele também bebe o vegetal e, mesmo assim, não se furta a executar sua função. ele trabalha pro bom funcionamento das sessões enquanto faz o seu trabalho interno.

numa das sessões talvez ele tenha mergulhado um pouco mais fundo no seu trabalho interior e uma das velas do altar estava prestes a apagar. (acho que) pedi licença à dirigente e acendi uma outra vela ao lado da primeira usando a sua própria chama. mas coloquei a segunda vela perto demais da que já estava miúda e a chama desta começou a queimar o corpo da mais nova, que começou a entortar até sucumbir.

nesta sessão eu estava particularmente pensando em minha relação com meus filhos caçulas. eles são dois, existe o caçula dos caçulas, mas já que eles vieram vinte anos depois do primogênito, ganharam, ambos, o título de caçulas. 

nessa nova etapa da maternidade escolhi (mentira, fui demitida da faculdade onde dava aulas quando acabou a licença maternidade do filho do meio e engravidei do caçula-caçula rápido demais para conseguir uma nova colocação) ficar em casa e cuidar deles, optei por uma amamentação bem prolongada e para ambos, a introdução alimentar mais trabalhosa de todas, fraldas de pano, enfim, fiz escolhas que garantiam minha presença em casa e na rotina deles, ao contrário de como foi com primogênito. 

aos 17 eu tinha um menino e nenhum dinheiro, precisei estar ausente para trabalhar e, quando deu, estudar. estive ausente demais e não tinha nenhuma consciência do que era o meu papel de mãe nos momentos em que estávamos juntos (se um dia você ler isso,meu amor primeiro, eu sinto muito, de verdade). 

então, na nova maternidade, quis garantir que estaria bem perto e não cometeria os mesmos erros, apenas erros novinhos em folha rs. 

mas talvez eu estivesse perto demais. enquanto observava a segunda vela entortar e sua resina derreter e se fundir rapidamente à cera da primeira, entendi que se colocar lado a lado, mas numa distância segura e respeitosa, pode funcionar não somente para as velas.

ali, em frente àquele altar, me dei conta que relacionamentos de qualquer natureza requerem proximidade, presença, mas não demais. um tanto de espaço é imprescindível para que um não derreta o material de que o outro é feito. a gente não precisa se fundir ao outro para garantir que fique tudo bem.

entendi que, para que meus caçulas se desenvolvessem bem, eu precisava me afastar um pouco e eu também precisava, por mim, sair um pouco de perto, tomar um fôlego, relembrar que eu não era aquele cera derretida e fundida à deles.

caramba, nil, obrigada por ter ido dar o seu mergulho e ter permitido que eu aprendesse tanto com duas singelas velas. 

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ainda sobre velas, tenho tentado manter o hábito de acendê-las e oferecer café pros meus pretos velhos que agora moram num altar improvisado na bancada da cozinha.

não sei bem como aconteceu, mas umas velas brancas que tenho aqui em casa ficaram meio tortas, encurvadas. um pacote inteiro de velas fora do padrão. 

como boa pessoa econômica que sou, tenho usado estas velas mas hoje, num estado de presença que tenho buscado ter mais constantemente, me dei conta que estas velas têm necessidades específicas para que cumpram o destino das suas existências.

o altar improvisado fica numa área onde circula muito vento, então preciso usar uma daquelas proteções para velas, cujo nome não sei, mas que são como grandes copos de vidro abertos em cima e embaixo.

só que as velas tortas demandam uma posição específica no pires, senão a chama acaba encostando na proteção de vidro. na real, a vela torta precisaria mesmo de uma base maior do que o pires pequeno que eu estava usando e, mesmo assim, no começo da sua queima a chama ainda encostou um pouco na borda da proteção.

(a vida parece querer me ensinar coisas através das velas)

observando ali aquele trabalho para acender a vela torta e sem querer abrir mão dela, entendi tanta coisa...

pessoas que passaram por coisas que a transformaram para sempre precisam de um suporte, de uma base, diferentes. precisam que a gente não desista delas e então elas poderão fazer o que vieram fazer aqui nessa existência, mesmo que no começo do processo sua chama acabe nos chamuscando um pouco enquanto a protegemos do vento que insiste em apagá-la.

de forma irremediável pensei no meu primogênito. a vida deu um jeito de entortá-lo. com certeza doeu. eu também fiz parte desse processo já que naturalmente não tinha maturidade pra evitá-lo.

hoje tenho capacidade de entender que ele precisa de mais suporte. precisa que eu aguente firme sua chama me atingindo no começo do processo. 

e também precisa que eu lhe dê espaço suficiente para que a minha chama não o derreta no meio do caminho. 

Comentários

  1. Posso dizer que também aprendi bastante lendo sobre como vc aprendeu com as velas.
    Obrigada por partilhar suas lições e reflexões.
    :)

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  2. Que coisa boa voltar a te ler. Que coisa mais linda esse texto.

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